Início Menor Abandonado Vate O Inferninho Delfim

Você quer ajudar a escrever um livro?

     “O Inferninho” é uma estória ainda inacabada e que até o momento está sem final... conta o infortúnio êxodo e regresso da ilha de São Luís do jovem rapaz André que em sua iniciação sexual num puteiro teve toda a sua vida revirada ao avesso... ele regressa anos mais tarde pensando que o tempo já teria apagado o dia fatídico que culminou com a sua fuga para o interior do Maranhão e quem sabe poder rever sua família que, ao fugir, deixou-lhes órfãos de informações sobre o seu paradeiro... mas o que realmente o traz de volta à ilha é um segredo que ele pretende não mais fugir e enfrentar seus medos e sua revolta interior...

     Eu convido você a me ajudar a terminar de escrever este livro. Como? Você vai acompanhar o nascimento dos capítulos e opinar sobre eles. Deixar as suas impressões e dar pitacos sobre qual caminho a estória pode tomar. Lembrem-se: A ESTÓRIA AINDA ESTÁ INACABADA.

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Os capítulos serão curtos. Pois assim serão mais fáceis de serem lidos no computador. E estão(arão) à disposição sempre neste blog.

Para facilitar a leitura, aqui no blog tem um menu chamado “CAPÍTULOS” com a ordem correta dos capítulos a serem lidos e na comunidade no orkut o fórum Capítulos tem os links para cada capítulo também em ordem de leitura.

Na comunidade O Inferninho no orkut o fórum Comentários é o espaço para debater sobre a estória, os personagens e os capítulos. Eu estarei de olho e também expressarei meus comentários...

O fórum Chat Bar O Calígula é para bater papo descontraído. Falar sobre qualquer coisa. Não faça perguntas neste fórum, faça no fórum Dúvidas.

No fórum Dúvidas você terá a oportunidade de expressar suas dúvidas e eu responderei junto com meus colaboradores.

Também há a possibilidade de deixar seus comentários diretamente neste blog no final de cada capítulo.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Capítulo I

          Ele nem acredita que está indo para este lugar de músicas chatas, pouca luz, fumarento e cheio de bêbados. Um lugar realmente sem graça pensa ele. De sexo sem presságios, direto e inseguro. De amor sem importância. O que realmente interessa é o êxtase, o orgasmo, o enlevo, o final.
          A motivação que o leva a este lugar é uma profissão que já existe a milhares de anos e não evoluiu nada de lá para cá. E também os seus amigos que insistiram, o molestaram e o apelidaram. O chamaram de galudo, que nunca cresceria, que nunca sairia debaixo da asa da mãe, que nunca se tornaria um homem de verdade...
          Em todo trajeto ele ficou calado, pensativo, guardando suas opiniões para si. Seu amigo que estava sentado a seu lado e que o acompanhava o trouxe de volta para dentro do ônibus:
          – O que foi André? Você está tão calado!
          – Nada... Nada não.
          – Mas tu tá tão quieto, não falou nada deste que entramos no ônibus. Tá com medo? Não precisa ter medo... Tu não tem camisinha?
          – Tenho, sim. Mas é que...
          – Então, não precisa ficar preocupado, ou tu tá com medo porque ainda é virgem?
          – Não! Não é nada disso. O lance é que eu não gosto disso... nunca gostei assim. Eu sempre achei que é para se ter carinho durante uma relação...
          – Tá parecendo uma mulher falando... Pára com essas frescuras, otário. Se tu não quisesse vir que falasse...
          – Eu falei sim. Eu disse que não queria vir. Vocês é que insistiram, me chamaram de bichinha e tudo mais.
          – Tudo bem, nós insistimos. Mas eu não sou tua cabeça, não. Tua cabeça é que é teu guia.
          No meio da discussão, os outros dois amigos se levantam das cadeiras e Zequinha intervem.
          – Vumbora donzelas tá na hora de tirar a gala seca da cabeça.
        Desceram do ônibus. Quatro adolescentes. Próximo ao Mercado Central, às cinco horas da tarde, o dia estava nublado, ameaçando chover muito, mas os quatros companheiros não estavam preocupados com o tempo ou como estava o céu, eles estavam preocupados com outras coisas.
          O mais nervoso era André, que tinha apenas 15 anos, porém aparentava ter mais por sua estatura elevada para sua idade. Ele ainda não teria tido relações sexuais, apesar de já ter tido muitas namoradinhas. Era alto mas não muito forte, também não era magro; os olhos castanho-escuros e uma pele morena clara; o rosto liso, sem espinhas, que lhe traduzia uma idade menor, cabelos claros, dourados, crescendo até a metade do pescoço, desorganizados e um aspecto de desleixe como se fosse lavado com xampu apenas de semana em semana.
          Bolão, entre os quatros, era o menos experiente no sexo, por isso era o mais descontente com a ideia, mas topava tudo. Carlos, o melhor amigo de André, não estava tão preocupado quanto André ou Bolão, pois ele já teria passado por lá. Seu pai o levou uma vez e tomou uma cerveja enquanto falava para o seu filho que perdera a sua virgindade num puteiro igual àquele, também levado pelo seu pai. Carlos não entendeu a deixa. Estava mas envergonhado do que qualquer outra coisa, pensava em apenas sair daquele lugar. Com 18 anos, cabelos lisos e negros que batiam nos ombros, tinha um ar de superioridade, como se fosse o mais inteligente da turma. Não era tão alto quanto André porém era mais forte. Músculos rijos de adolescente matreiro que viveu sua infância empinando papagaio, jogando bola, subindo em árvores, caçando passarinho com baladeira no cemitério. Um ar elétrico de quem não pára para assistir televisão. Encarava tudo, menos ficar um dia inteiro dentro de casa sem fazer nada, apenas sentado diante de um aparelho ligado tocando músicas de uma rádio comercial, ou uma tela acessa propagando imagens para puro passar de tempo.
         Estavam ansiosos, atravessaram a avenida Magalhães de Almeida sem dificuldades. O trânsito estava calmo. Percorreram a calçada mosaica de pedras pretas e brancas do Banco Bradesco e passaram em frente a uma loja de bicicletas que mesmo em dias de sábado ficava aberta até mais das três horas da tarde, mas àquela hora já havia encerrado o seu turno. Só faltava agora uma rua com uma vala de esgoto a céu aberto que cortava a rua ao meio, em ocasião os carros não podiam trafegar naquela rua estreita. Logo ao lado da loja de bicicletas havia um barzinho com duas mesas do lado de fora, bem ao lado da vala. Duas pessoas estavam sentadas em uma das mesas enquanto bebiam cerveja. Aquela ruela fica atrás do Oscar Frota Comércio e Representações. Um prédio que hoje é alugado para outras empresas e o Comércio e Representações agora só faz parte da pintura azul clara do prédio. Por isso aquela pequena ruela é mais conhecida como Oscar Frota do que pelo seu verdadeiro nome. De certo nem os carteiros lembram do nome verdadeiro da ruela. De frente para eles estava o seu destino, o bar Calígula. O antro de depravações e imoralidade. O lugar do sexo fácil e inseguro. O desrespeito aos bons costumes. O refúgio de todos; dos jovens inseguros que não aguentam mais a sua inocência, das lésbicas e entendidos que vem caçar – procurar um parceiro para a noite –, dos veteranos que depois de um dia de trabalho cansativo procuram uma loira gelada e de preferência acompanhada de outra quente.
          Para os quatros jovens, especialmente para André, aquele seria o último momento de incerteza, se alguém quiser voltar atrás esta é a hora. Contudo nenhum dos quatro fraquejou e adentraram o bar.
          Alguns instantaneamente olharam para eles: o garçom e algumas mulheres que estavam sentadas encostadas na parede. Eles procuraram uma mesa e sentaram-se. O bar estava quase vazio, a música brega arrastada, de um disco LP cheio de chiados do vinil dava um clima de melancolia. O mais desinibido da turma o José Aristides – entre eles o Zequinha – fez um sinal ao garçom para trazer-lhes uma cerveja. Ele era o mais desinibido porque já conhecia o lugar e já estava acostumado com o ambiente, já havia se aproveitado dos serviços dos garçons e das mulheres que ali trabalham. Um garçom mal vestido trouxe a cerveja com um isopor amarelado e quatro copos, olhou para os quatro rapazotes com discriminação e disse com um ar de agressividade:
          – Vocês não acham que deveriam cuidar das espinhas ao invés de estarem aqui?
          Os quatros calaram-se por algum momento e se entreolharam.
          André envergonhado abaixou a cabeça e ficou a olhar fixamente para o chão como uma avestruz que enterra a cabeça, o quarto integrante, o Bolão, já se levantava da cadeira para se dirigir à porta quando Zequinha respondeu:
          – Pára de frescura, cara! Aqui não tem nenhuma mocinha para tu vim falar desse jeito.
          O garçom olhou para Zequinha como quem não gostou da resposta e já preparava uma nova para replicar, Bolão já estava praticamente do lado de fora do bar, quando Zequinha levantou da cadeira e ofereceu a mão para o garçom e ele aceitou os cumprimentos.
          – Como vai tua força, compadre!
          – Tamo levando, Leôncio.
          – E a família? Como vai a tua irmã, a Sandrinha, aquela gostosinha?
          – Deixa de onda com ela, Leôncio. Ela só tem dezesseis, ainda não é pra burro velho como tu.
          Sem dizer mais nada o garçom deu as costas para o grupo e voltou para o balcão. Bolão que continuava de pé assistindo a cena sem entender nada voltou para a mesa e sentou-se logo após Zequinha sentar-se. Carlos e André começaram a dar risadinhas e a caçoar de Bolão.
          – Tu é muito medroso mesmo Bolão! – Carlos falou parando de rir.
          – Quase que ele mija nas próprias calças.
          – Eu? Me mijar? Olha só quem fala! parecia até que tinha perdido os culhão no chão!
          – Vocês são todos um bando de mariquinha, isso sim. Na hora do pau todos amarelam – advertiu Zequinha e todos se calaram.
          Fora do bar já começara a chover e eles já estavam na quinta cerveja, foi o tempo em que Zequinha se levantou da mesa para ir ao banheiro, no caminho fitou uma das meretrizes que se encontrava próxima ao banheiro. Todos os três acompanhavam os passos de Zequinha para saber onde era o banheiro para depois não precisarem perguntar, e perceberam o intuito dele. Esperaram, então, a sua saída do banheiro. Ao sair Zequinha foi falar com a própria, todos olhavam com sofreguidão, mas nenhum deles podia ouvir a conversa, pois estavam muito longe. Ela se levantou tomou a dianteira e ele a seguiu tomando a direção de uma escada e subiram, os três acompanharam o trajeto da dupla até saírem de suas visões.
          Por alguns momentos os três se entreolharam, mas não falaram nada a respeito. André sondou com os olhos em volta, investigando qual seria a melhor para o seu gosto e percebeu uma aloirada a encará-lo. De cabelos longos, blusinha cóton mostrando o umbigo e calça jeans bem apertada. Ela estava sentada em uma cadeira de frente pra ele, sem nenhum obstáculo atrapalhando a sua performance: de pernas abertas e as mãos em cima das coxas. Realmente era uma cena emocionante: olhar entre as pernas da moça e ver uma calça apertando-a. As suas coxas roliças e grossas também lhe chamava a atenção. Imediatamente o tesão aflorou em seu sexo e o álcool em sua cabeça fez com que ele perdesse a inibição e ao invés de mudar o curso de sua visão, como era de costume fazer em situações parecidas, ele a encarou fixo, imaginando o ponto "G" que ouvira falar e levou a mão direita à bermuda e começou a fazer movimentos por sobre o pano bem lentamente. Ela então piscou para ele e mandou uma bitoquinha. Os outros dois não notaram o acontecido. André encheu o seu copo e bebeu tudo em um só gole. Percebendo, Carlos advertiu:
          – Ei, rapaz, vai com calma com a bebida. Se não você vai sair é embriagado e não extasiado. – André não respondeu, e concluiu – Vou ao banheiro.
          No caminho, a companheira da meretriz que está com Zequinha, o chamou;
          – E então garotinho, você não quer brincar um pouco?
          – Eu vim aqui pra isso belezinha! – respondeu já chegando mais perto dela e apoiando a mão em seu ombro – Quanto é que custa a brincadeirinha?
          – Completo é trinta fora o quarto.
          – Trinta?! Não dá pra sair por vinte? – Ela o olhou de cima abaixo e resolveu positivamente. – Vinte é só o básico. – O coração de Carlos bateu mais forte. Ele continuou sua jornada ao banheiro sem falar nada, e depois que saiu ele a chamou.
          – Vamos?
          Ela se levantou e tomou a mesma direção de sua companheira, subindo as escadas, e ele a acompanhou.
André e Bolão acompanhavam em seus lugares.
          – Eu acho que vamos ficar sozinhos por algum tempo André.
          – É. Eu acho que sim.
          Ele olha novamente a aloirada. Percebendo que ele estava olhando-a novamente ela cruza as pernas e levanta um pouco as nádegas da cadeira de ferro. Ele enche novamente o copo, só que dessa vez não bebe lembrando do conselho do amigo. Fecha os olhos, respira fundo e imagina-se deitado sobre ela. A cena que lhe vem à cabeça é bem familiar das revistinhas pornográficas que esconde em sua casa. É o que primeiro lhe vem à cabeça quando pensa em sexo. Ele se levanta e toma um gole, pequeno dessa vez, e diz para Bolão que volta logo. Bolão balança a cabeça positivamente e continua sentado com seus quase "oitenta" quilos – Bolão tem esse apelido porque é bem gordo para a sua idade – ele já sabe que será o único que não aproveitará a viagem.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

2 - Conversa com Cidão (ou "Capítulo VI")

            (Horas antes), estava uma manhã clara, com poucas nuvens no céu. Soprava uma brisa suave ajudando a amenizar o calor. Nesta época do ano, em Cedral, interior do Maranhão, o clima é de muito calor quando não há nuvens escondendo o sol. Mas é época de chuva e a qualquer momento o vento pode trazer nuvens negras.
André levantou-se da cadeira, subiu em cima dela e contemplou o horizonte. Tentou olhar o mais longe possível em todas as direções. Cerrou bem os olhos. Nada de chuva. Norte, sul, leste ou oeste não dava sinais do contrário.
Se continuar assim a viagem poderá ser tranquila. – pensou ele. Sentou-se novamente na cadeira. Avistou ao longe um amigo e o convidou para lhe fazer companhia.
Vem cá, Cidão. Senta aqui e me acompanha neste chope.
Com prazer. – respondeu-lhe. Cidão nascido e criado em Cedral. Já com 38 anos de vida e muitas experiências é um homem baixo, peludo, principalmente nas costas, cabelo com um penteado de rabo-de-cavalo atrás e na frente um começo de calvície. É popular na cidadela e nos povoados que a rodeia, pois é um dos DJ´s da radiola de reggae que anima os festejos do lugar. Logo quando André chegou em Cedral, Cidão tratou de fazer amizade com ele e se tornaram bons amigos. Cidão não escondia sua afeição e nem sua tristeza por ver seu amigo regressar para a capital, a sua cidade natal.
A lancha sai hoje a que horas?
Sairá às onze e meia. Ainda temos hora e meia pra conversarmos amigo. – André estava bem mais maduro, desde que chegara na cidade conviveu e viveu com muitas pessoas, passou por situações que jamais pensara que iria passar, situações de tristeza, desagrados, de saudades; encontrou felicidade onde nunca teve pistas que iria achar, em coisas simples, muito simples, como simplesmente aprender a preparar sua própria comida. Também teve que batalhar muito para conseguir um pedacinho de terra e plantar sua roça. Teve que levantar sua casa de pau-a-pique e telhado de folhas de ariri com suas próprias mãos e com a ajuda de seu amigo Cidão e outras amizades do povoado; teve que pescar durante muitas luas cheias de madrugada. Passou por experiências até então insuspeitáveis para a sua antiga criação de garoto pobre, mas bem educado da capital. Caçava às vezes, trabalhava em fazendas de boi búfalo próximas dali. Ganhara algumas cabeças de gado quando salvou um fazendeiro de morte certa. O fazendeiro estava sendo atacado por uma onça, já tinha desistido de lutar quando André alvejou a selvagem com um tiro certeiro salvando-lhe a vida. Por agradecimento o fazendeiro deu-lhe algumas cabeças de gado. André trocou algumas pelo pedacinho de terra onde fez seu sítio e sua casa, outra por madeira e ainda conservava duas vacas e um boi.
Já estou com saudades, te confesso. Você é uma grande pessoa. Logo quando cheguei você foi o primeiro a me cumprimentar numa cidade onde não tinha parentes nem conhecidos.
Eu também fui logo com sua cara, André. Quando te olhei desembarcando logo vi que você seria bom trabalhador e bom companheiro.
Pena que tenha que voltar para São Luís, mas com certeza em menos de três meses estarei de volta. Enquanto isso eu queria te pedir um favor.
Qual?
Que você tomasse conta do sítio e da casa enquanto eu estiver fora.
Claro, será um prazer.
André levantou-se da cadeira, enfiou a mão no bolso da calça jeans que trajava, retirou uma chave com aparência nada moderna e entregou-a para Cidão. Sentou-se, sorveu um pouco de cerveja e ficou a contemplar a pracinha pensativo. Cidão rompeu o silêncio:
André, não querendo me meter em sua vida, mas o que você vai fazer em São Luís?
Vou apenas resolver um problema pendente do qual venho fugindo há anos.
Que problema, posso saber?
André sorveu outro gole de cerveja, tirou do bolso da camisa xadrez uma carteira de cigarros, acendeu um, deu um trago profundo, olhou novamente para a pracinha, dessa vez fitou o vazio e nada respondeu. Cidão insistiu:
Desde que você chegou aqui nunca falou de sua terra natal e de sua família ou de amigos que deixara por lá. Parecia até que queria esquecer de onde veio e de repente vai fazer uma viagem de volta dizendo que vai resolver problemas antigos.
Realmente desde que chegou a Cedral André nunca comentou nada sobre sua vida em São Luís.
Será que eu posso ajudá-lo neste problema? – perguntou. – Você vai dormir onde durante estes três meses?
Eu ainda não sei. Estou levando alguns trocados da venda do bezerro para me virar.
Por que você não vai para casa da sua mãe?... – uma pausa – Sua mãe ainda está viva, não está?
Sim está, e tenho muitas saudades dela. Gostaria muito de revê-la durante esta viagem, mas estou com receio... – confessou.
Receio de quê?
Quando vim para Cedral, eu fugi. Não avisei mamãe.
Então ela deve estar super preocupada achando que você está morto ou qualquer coisa parecida...
Não. Com certeza, não. Eu escrevo para ela sempre, mas envio cartas sem remetente para que ela não me encontre.
Por que você não quer que ela te encontre? Você fez algum mau para ela?
Não... – respondeu baixinho – pra ela não?
Para quem, então?
Ele deu outro trago profundo, soltou a fumaça e suspirou:
Vou lhe contar a minha história. Mas te peço Cidão, por favor, não comente isto com ninguém.
Tudo bem, prometo. – disse fazendo o sinal da cruz e beijando o crucifixo de ouro que carrega no cordão. André sabia que quando Cidão fazia este gesto poderia confiar plenamente na sua palavra.
Começou a contar desde o primeiro dia que foi ao Calígula, lembrou de como seus amigos lhe importunaram para que ele fosse também. Contou todos os detalhes de sua primeira transa. Cidão ouvia atentamente. André não esquecia nada, contava tudo que aconteceu, parecia que ele estava lavando a alma. Falou de seus amigos: Zequinha, Carlos e Bolão. Falou que quando chegara em casa teve que mentir para sua mãe. Confessou-lhe remorso. Narrava todos os fatos. Cidão prestava atenção em tudo, mostrando profundo interesse. Lembrou que o único que não se aproveitou das prostitutas foi o Bolão e por esse motivo marcaram de voltar ao Calígula no sábado seguinte.
André parou de repente a narrativa. Tomou fôlego. Pediu outra cerveja. Ouviu um passarinho cantar bem acima de sua cabeça. Cidão ansiava pelo reinicio com sofreguidão.
...Então, foi naquele sábado fatídico que tudo aconteceu. Foi neste dia que minha vida mudou para sempre. Quinze de fevereiro de 1992, uma data como a de hoje, esta foi uma das razões que escolhi para viajar hoje... Tudo começou quando... – contou toda a história daquele sábado negro para Cidão que ouvia atenciosamente; de olhos arregalados ouvia o companheiro contar sobre a confusão com a falsa prostituta, sobre a briga com Capitão... André parou novamente, desta vez não para beber, fumar ou tomar fôlego e sim para chorar. Estava aí o motivo que ele não queria contar, entendeu Cidão. Os olhos de André encheram-se de lágrimas que escorriam pelo seu rosto, o nariz pingava úmido, ele soluçava sentindo sua garganta seca e o coração apertado. Cidão tentou sossegá-lo oferecendo o seu ombro amigo, dando tapinhas em sua costa. Conhecia André há seis anos e nunca o viu chorando, com raiva, remorsos ou qualquer outra emoção que demonstrasse insegurança e agressividade. Quase sempre sério, às vezes sorrindo, mas nunca chorando. Cidão entendeu toda a dor de André, mas ainda persistia a dúvida do porquê do regresso.
Tenho tido dias difíceis aqui em Cedral, posso lhe confessar. Não pela necessidade que passei, mas pela saudade. Pelo receio de que quando voltar não saber como irão me receber, principalmente as famílias de Bolão e Carlos, afinal de contas eu também fui um dos responsáveis...
Não se culpe assim, André. Você sabe que não teve culpa... Eu só não entendo por que você quer voltar, já que não vai ficar com sua família e vai ficar no máximo três meses.
André tirou todo o ar de tristeza do semblante e ficou sério por alguns instantes. Sentiu o sangue ferver. Este é um segredo que ele não poderia revelar de nenhuma forma para quem quer que fosse.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

1 - O Regresso (ou "Capítulo VII")

Os vagalhões engoliam a lancha que se tornava pequena a cada descida, e, na subida às ladeiras d’água, parecia que não iria agüentar o seu próprio peso, até que as águas gigantes curvavam-se sobre si mesma e sumiam de debaixo de seu casco. A proa apontava seu nariz todo ao ar, largando-se em seguida sobre o chão do mar. A lancha toda tremia num desespero claro, mas já conhecido e por alguns ignorados: capitão e tripulantes, veteranos da travessia da baía de São Marcos.
A lancha era uma daquelas bem comuns que todos os dias atravessam aquele pedaço de mar, com o nome de mulher que outrora foi paixão de algum marinheiro desventurado. A tinta branca do casco jazia aos poucos com os solavancos da água salgada, que já trazia consigo caracas e negrume comuns.
O céu escurecera repentinamente alguns minutos após a lancha ter deixado seu porto, contrariando as impressões de André, mas não chovia ainda, apenas o vento que se pronunciava com ferocidade, fazendo vagalhões e balançando a pequena embarcação. Pequena em parte, dentro dela parecia gigantesca tal aquela gente amontoada que povoava a embarcação. Os porcos guinchando no porão. Uma arara que gritava como criança assustada. Alguém vomitava lamentosamente toda a sua refeição embrulhada pelo balanço do mar; o garotinho encolhido no seio da mãe, escondendo o rosto como se estivesse afastando-se de alguma cena aterradora, era somente o medo do balanço; e dois rapazes que, apesar da balbúrdia, conversavam distraidamente ao lado de uma garrafa de cachaça.
André fumava com um semblante de indiferença, sentado em uma cadeira que privilegiava a visão de quase todos no barco, mas a sua indiferença era apenas aparente. Em seu íntimo já se irritara com a arara e com os porcos pelo barulho incessante e ensandecente que eles proporcionavam; vagou por alguns instantes naquele garotinho procurando proteção no colo da mãe. Lembrou-se da sua. Ah! tão doce ela pareceu-lhe. Esqueceu-se de todas aquelas lembranças más causadas por pequenas indiferenças e discórdias que sempre há entre mães e filhos e restaram-lhe apenas as doces. Ah! Que saudades sentia de sua mãe. –– Como pode se beber numa viagem destas –– comentou consigo a respeito dos rapazes que bebiam tranqüilamente ––, estômagos de ferro!
Olhou para fora da lancha, na direção de seu destino, a ilha de São Luís, que sumia e reaparecia no horizonte com o sincronismo dos vagalhões engolindo a embarcação. Uma comoção tocou-lhe o coração levemente e depois foi abraçando-o cada vez mais, envolvendo-lhe por completo; aquele leve toque transformou-se num aperto dorido com a garganta prendendo-a para que não escapasse para os olhos. Que saudades! Que saudades! Toda a sua gente, seus amigos, seus parentes, seu bairro no qual morara desde o nascimento até aquele dia fatídico de incidentes, sua mãe que, vez em quando, voltava à sua memória num arrebatamento violento. Que saudades! passaram-se seis anos, muitas coisas deveriam ter mudado. Será que a Prefeitura ajeitou aquela rua que sempre alagava quando chovia? A Aninha já deve estar uma mulher. Será que já namora? Engraçado, se a visse crescer talvez eu sentiria aquele ciúme protecionista que existe entre irmãos, mas qual? Penso na Aninha como uma pessoa tão distante e comum... e realmente ela está distante. Quanto me furtei ao fugir? –– desconsolou-se amargamente –– quanto me sacrifiquei com esta fuga? Ás vezes penso que seria melhor eu ter ficado e encarado o problema de frente. Será que ela foi realmente precisa? A fuga... Meu pai, minha mãe, minha irmã... tantos anos... –– a comoção que lhe apertara o peito não era a mesma que lhe trazia tristezas tão profundas. A que lhe trazia estava guardada incontinenti em seu inconsciente, uma decisão que tomara e que apesar de toda a sua angústia que ela lhe trouxe quando foi tomada, estava decidido que a seguiria com rigor, mas procurava escondê-la e mantê-la longe de seus pensamentos: não iria regressar ao seu saudosismo e nem iria rever seus amigos que deixara, por mais doído que parecesse, não procuraria sua família, não falaria com sua mãe, não lhe daria aquele abraço tão desejado e aguardado. Não! Privaria-se destes prazeres. O motivo pelo qual regressava era outro: vingança.